segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Atividade de Beneficiamento - IPI ou ISSQN?

A questão surgiu com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 116/2003. É que no regramento anterior, vigendo para a regulamentação do ISS o Decreto-Lei nº 406/68 o problema era inexistente, pois estava assim, o item relacionado ao serviço de beneficiamento:Art. 1° (...)
72. Recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos não destinados à industrialização ou comercialização; (g.n.).

Inovando, a Lei COmplemnetar nº 116/2003, incluiu o beneficiamento no seguinte item:

Art. 1º (...)
14.05 – Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer; (g.n.)

Desse modo, a supressão da ressalva que atribuía tratamento jurídico específico à atividade de beneficiamento e das outras ali informadas quando realizadas em objeto não destinado à industrialização ou comercialização, afastando, portanto, a incidência do IPI naquelas atividades destinadas a consumidor final, é a causa da polêmica que tem colocado os estudiosos e os tribunais em constante embate, levado os entes tributantes federais e municipais a posicionamentos antagônicos e trazido insegurança ao contribuinte.

Para saber o que é tido como beneficiamento é preciso recorrer ao artigo 4º do Regulamento do IPI (RIPI), aprovado pelo Decreto nº 4.544/ 2002, o qual considera o beneficiamento como uma das operações que caracterizam a industrialização. Verbis:

Art. 4º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como:
(...)
II – a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);
 (...)

Em pareceres normativos a Receita Federal já emitiu entendimento de que a principal diferença entre transformação e beneficiamento reside no fato de que na transformação há um deslocamento do produto primitivo (matéria-prima ou produto intermediário) para nova classificação fiscal (posição ou inciso diferente), que resulta  na obtenção de produto novo, enquanto que no beneficiamento o produto sofre apenas um melhoramento, sem que a sua classificação se altere.[1]

Destarte, é possível concluir que para que o beneficiamento seja tratado como serviço, sujeito, portanto, ao ISSQN, é preciso que de sua aplicação resulte apenas em melhoria no aspecto do objeto, ou vise consertá-lo, restaurá-lo, dar-lhe condições de uso, etc, não modificando sua natureza, finalidade ou o aperfeiçoando-o.

Com base na afirmação acima, chega-se a mais uma assertiva: no ISSQN, o serviço (bem imaterial) será sempre parte integrante de um bem corpóreo, e no IPI, o objeto produzido poderá ser tratado e comercializado por si só, sem fazer parte de outro bem.

Mas, confirmando a controversidade da questão, a Receita Federal já firmou entendimento que o fato de uma operação constar da lista anexa à Lei Complementar nº 116, de 2003, caracterizando, dessarte, prestação de serviço para efeito de incidência do ISSQN, não impede que essa mesma operação seja enquadrada como industrialização, estando incluída, também, no campo de incidência do IPI.[2]

O que recomendar então? Como em uma sociedade democrática baseada no direito compete ao Poder Judiciário a palavra final sobre a interpretação da lei e sua aplicabilidade, cumpre-nos perquirir como os tribunais têm-solucionado os casos similares submetidos a julgamento, e enveredar por este entendimento, compreendendo que da mesma forma serão decididos os casos futuros com o mesmo tema, sem, contudo, esquecer que mesmo as cortes mais altas, podem mudar de entendimento, e enquanto o tema não for considerado de repercussão geral, poderão haver decisões conflitantes.

A decisão mais comentada até agora sobre o assunto foi prolatada no REsp 888.852/ES, relatado pelo Ministro Luiz Fux, publicada em 01/12/2008, ementada assim:
TRIBUTÁRIO. ISSQN. "INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA". LEI
COMPLEMENTAR 116/2003. LISTA DE SERVIÇOS ANEXA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO (OBRIGAÇÃO DE FAZER). ATIVIDADE FIM DA EMPRESA PRESTADORA. INCIDÊNCIA.
1. O artigo 153, III, da Constituição Federal de 1988, dispõe que compete aos Municípios instituir impostos sobre prestação de serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar.
2. O aspecto material da hipótese de incidência do ISS não se confunde com a materialidade do IPI e do ICMS. Isto porque: (i) excetuando as prestações de serviços de comunicação e de transporte interestadual e intermunicipal, o ICMS incide sobre operação mercantil (circulação de mercadoria), que se traduz numa "obrigação de dar" (artigo 155, II, da CF/88), na qual o interesse do credor encarta, preponderantemente, a entrega de um bem, pouco importando a atividade desenvolvida pelo devedor para proceder à tradição; e (ii) na tributação pelo IPI, a obrigação tributária consiste num "dar um produto industrializado" pelo próprio realizador da operação jurídica. "Embora este, anteriormente, tenha produzido um bem, consistente em seu esforço pessoal, sua obrigação consiste na entrega desse bem, no oferecimento de algo corpóreo, materializado, e que não decorra de encomenda específica do adquirente" (José Eduardo Soares de Melo, in "ICMS - Teoria e Prática", 8ª Ed., Ed. Dialética, São Paulo, 2005, pág. 65).
3. Deveras, o ISS, na sua configuração constitucional, incide sobre uma prestação de serviço, cujo conceito pressuposto pela Carta Magna eclipsa ad substantia obligatio in faciendo, inconfundível com a denominada obrigação de dar.
4. Desta sorte, o núcleo do critério material da regra matriz de incidência do ISS é a prestação de serviço, vale dizer: conduta humana consistente em desenvolver um esforço em favor de terceiro, visando a adimplir uma "obrigação de fazer" (o fim buscado pelo credor é o aproveitamento do serviço contratado)
5. É certo, portanto, que o alvo da tributação do ISS "é o esforço humano prestado a terceiros como fim ou objeto. Não as suas etapas, passos ou tarefas intermediárias, necessárias à obtenção do fim.
(...) somente podem ser tomadas, para compreensão do ISS, as atividades entendidas como fim, correspondentes à prestação de um serviço integralmente considerado em cada item. Não se pode decompor um serviço porque previsto, em sua integridade, no respectivo item específico da lista da lei municipal nas várias ações-meio que o integram, para pretender tributá-las separadamente, isoladamente, como se cada uma delas correspondesse a um serviço autônomo, independente. Isso seria uma aberração jurídica, além de construir-se em desconsideração à hipótese de incidência do ISS." (Aires Barreto, no artigo intitulado "ISS: Serviços de Despachos Aduaneiros/Momento de Ocorrência do Fato Imponível/Local de Prestação/Base de Cálculo/Arbitramento", in Revista de Direito Tributário nº 66, Ed. Malheiros, págs. 114/115 - citação efetuada por Leandro Paulsen, in Direito Tributário - Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 8ª ed., Ed. Livraria do Advogado e Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul - ESMAFE, pág. 457).
6. Assim, "sempre que o intérprete conhecer o fim do contrato, ou seja, descobrir aquilo que denominamos de 'prestação-fim', saberá ele que todos os demais atos relacionados a tal comportamento são apenas 'prestações-meio' da sua realização" (Marcelo Caron Baptista, in "ISS: Do Texto à Norma - Doutrina e Jurisprudência da EC 18/65 à LC 116/03", Ed. Quartier Latin, São Paulo, 2005, pág. 284).
7. In casu, a empresa desenvolve atividades de desdobramento e beneficiamento (corte, recorte e/ou polimento), sob encomenda, de bloco e/ou chapa de granito e mármore (de propriedade de terceiro), sendo certo que, após o referido processo de industrialização, o produto retorna ao estabelecimento do proprietário (encomendante), que poderá exportá-lo, comercializá-lo no mercado interno ou submetê-lo à nova etapa de industrialização
8. O Item 14, Subitem 14.05, da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, ostenta o seguinte teor: 
"14 – Serviços relativos a bens de terceiros.
(...)
14.05 – Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer."
9. A "industrialização por encomenda" constitui atividade-fim do prestador do aludido serviço, tendo em vista que, uma vez concluída, extingue o dever jurídico obrigacional que integra a relação jurídica instaurada entre o "prestador" (responsável pelo serviço encomendado) e o "tomador" (encomendante): a empresa que procede ao corte, recorte e polimento de granito ou mármore, de propriedade de terceiro, encerra sua atividade com a devolução, ao encomendante, do produto beneficiado. 
10. Ademais, nas operações de remessa de bens ou mercadorias para "industrialização por encomenda", a suspensão do recolhimento do ICMS, registrada nas notas fiscais das tomadoras do serviço, decorre do posterior retorno dos bens ou mercadorias ao estabelecimento das encomendantes, que procederão à exportação, à comercialização no mercado interno ou à nova etapa de industrialização.
11. Destarte, a "industrialização por encomenda", elencada na Lista de Serviços da Lei Complementar 116/2003, caracteriza prestação de serviço (obrigação de fazer), fato jurídico tributável pelo ISSQN, não se enquadrando, portanto, nas hipóteses de incidência do ICMS (circulação de mercadoria - obrigação de dar - e prestações de serviço de comunicação e de transporte transmunicipal). 
14. Recurso especial provido.

O STJ entendeu que a caracterização de determinada atividade como industrial e, consequentemente, como fato gerador do IPI, depende da destinação do produto sobre a qual é desenvolvida, ou seja, um beneficiamento realizado sobre um produto destinado ao comércio, é tido como operação industrial, incidindo o IPI, enquanto que o mesmo beneficiamento, realizado sobre objeto idêntico de propriedade do encomendante, sem destinação comercial, é tido como um serviço, sujeito ao ISSQN.

Assim também têm decidido alguns tribunais de segunda instância:

DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. SERVIÇOS PREVISTOS NO SUBITEM 14.05 DA LISTA ANEXA À LC Nº 116/03: A INCIDÊNCIA DO ISS OCORRERÁ SOMENTE SE OS SERVIÇOS FOREM PRESTADOS A CONSUMIDOR OU USUÁRIO FINAL, EM BENS POR ELE FORNECIDOS PARA ESSE FIM. Os serviços de beneficiamento previstos no subitem 14.05 da Lista anexa à LC nº 116/2003 (¨restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer¨) somente se sujeitam ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), da competência municipal, se prestados a consumidor ou usuário final, em bens deste. Se, ao contrário, os referidos serviços forem prestados a indústrias, em produtos destas e sujeitos a IPI e a ICMS, serão eles alcançados por esses impostos, mesmo que haja suspensão ou diferimento do seu pagamento, que é clara forma de incidência, ainda que em etapa posterior. Ademais, nos termos do inciso III do art. 156 da Constituição Federal os Municípios somente podem instituir imposto sobre serviços não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar, ou seja, quando não incidente o ICMS. DECISÃO: Recurso provido. Unânime. [3]



[1] Ex.: Parecer Normativo CST nº 398/71 
[2] Solução de Consulta nº 350/04, Solução de Consulta nº 141/08
[3] Apelação Cível Nº 70026357699, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 11/03/2009.
           

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