terça-feira, 20 de agosto de 2019

Contratação de Promotor de Vendas como MEI

Para a realização de vendas a empresa utiliza os serviços representantes comerciais (sociedades empresárias limitadas) e de vendedores registrados como empregados.
A empresa tem a intenção de contratar para essas atividades Promotores de Vendas Independentes, cadastrados na Receita Federal como MEI (CNAE 7319-0/02).
Indica que as atividades desses profissionais seriam, dentre outras, demonstrar produtos, apresentar material publicitário ao cliente, afixar cartazes publicitários na loja do cliente, organizar mercadorias em gôndolas, instalar e treinar o software da empresa em que os clientes podem fazer seus pedidos, auxiliar a digitar pedidos,  fazer digitação de pedidos.


O Microempreendedor Individual (MEI) foi criado no Brasil como uma maneira de os trabalhadores informais passarem à legalidade, sendo alcançados pelos benefícios previdenciários que antes não possuíam, mediante o pagamento de uma contribuição mensal reduzida.
O MEI é uma pessoa física, inscrita no CNPJ, que trabalha por sua própria conta, qualificado como pequeno empresário, podendo faturar até R$ 81 mil por ano. Não pode ter participação em outra empresa como sócio, administrador ou titular e pode ter no máximo um empregado registrado com um salário mínimo ou o piso da categoria.
As atividades permitidas ao MEI são aquelas informados no Anexo XIII do Simples Nacional.
Pois bem, dentre as atividades permitidas ao MEI está a de Promotor de Vendas, mas não está a de Representante Comercial.
Dessa maneira, a conclusão é que a empresa pode contratar um MEI como Promotor de Vendas, mas não pode contratar como Representante Comercial. Também, entendo que, no tocante à atividade a ser desenvolvida, o MEI pode realizar todas as tarefas elencadas no parágrafo acima, inclusive fazer vendas utilizando o tablet da empresa.
Mas a grande questão é se a contratação de pessoa inscrita como MEI para Promotor de Vendas não terminará por criar um vínculo de emprego entre a o contratado e a empresa contratante.
Para fazer essa análise convém verificar quais requisitos configuram uma relação de emprego. São eles:
Pessoalidade: o trabalho é feito por uma pessoa específica, que não pode se fazer substituir no desempenho da tarefa;
Não eventualidade: o trabalho é prestado de forma permanente. Se a pessoa trabalha mais do três vezes por semana, por exemplo, já caracteriza uma relação de emprego.
Onerosidade: o trabalhador recebe um salário como contraprestação pelo serviço.
Subordinação: o trabalhador está subordinado a um chefe da empresa contratante, que pode ser um coordenador, gerente...
Quer dizer, quando o serviço for prestado por um MEI, de forma habitual, com dedicação exclusiva, recebendo constantes instruções e cobranças da empresa, que exerce controle sobre suas atividades,  já pode sim gerar vínculo empregatício.    
Caso sejam comprovadas essas características, a contratação do MEI poderá ser classificada como tentativa de burlar a legislação trabalhista, situação em que a empresa contratante deverá pagar todas as verbas trabalhistas devidas em uma relação de emprego.
Maior será o risco se o contratado como MEI for alguém saído de uma relação de emprego com a empresa, que recebe valor próximo ao que recebia sendo empregado, e que continua trabalhando exclusivamente para a mesma empresa, e fazendo as mesmas atividades que antes.
Esse risco também haverá se o contrato for com empresa individual não MEI, ou mesmo com sociedade limitada, se mantidas as mesmas condições que citamos acima. 
A única forma de contratação que elimina qualquer risco é a contratação de vendedores no regime CLT, pagando-lhes salário fixo e todas as comissões em folha.
Umas das características que se atribui ao MEI é o caráter temporário da sua contratação. Exemplo: a empresa precisa fazer uma reforma, então ela contrata um pedreiro cadastrado como MEI. Esse serviço tem prazo para começar e para terminar. Mas uma empresa de construção civil não poderá contratar um pedreiro MEI para ficar à sua disposição e prestar serviço em qualquer de suas obras por prazo indeterminado.
A Resolução nº 140, do CGSN, diz que:  
Art. 112. O MEI não poderá realizar cessão ou locação de mão de obra, sob pena de exclusão do Simples Nacional. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º; art. 17, XII; art. 18-B)
§ 1º Para os fins desta Resolução, considera-se cessão ou locação de mão de obra a colocação à disposição da empresa contratante, em suas dependências ou nas de terceiros, de trabalhadores, inclusive o MEI, para realização de serviços contínuos, relacionados ou não com sua atividade fim, independentemente da natureza e da forma de contratação. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º; Lei nº 8.212, de 1991, art. 31, § 3º)
§ 2º As dependências de terceiros a que se refere o § 1º são as indicadas pela empresa contratante, que não sejam as suas próprias e que não pertençam ao MEI prestador dos serviços. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º)
§ 3º Os serviços contínuos a que se refere o § 1º são os que constituem necessidade permanente da contratante, que se repetem periódica ou sistematicamente, ligados ou não a sua atividade fim, ainda que sua execução seja realizada de forma intermitente ou por trabalhadores contratados sob diferentes vínculos. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º)
§ 4º Considera-se colocação de trabalhadores, inclusive o MEI, à disposição da empresa contratante a cessão do trabalhador, em caráter não eventual, respeitados os limites do contrato. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º)
Entendo que o MEI será considerado como cessão de mão de obra e descaracterizado como MEI, gerando assim um vínculo de emprego, quando a prestação do serviço ocorrer na própria empresa contratante ou nas dependências de terceiros. Se o MEI trabalha em seu próprio endereço, a proibição de prestar serviços contínuos não ocorre.
Sabe-se que existe muito temor por parte das empresas com o fato da contratação de prestador de serviço como MEI ou outra forma de pessoa jurídica ser considerada “pejotização”, termo que identifica a tentativa de precarização das relações de trabalho, burlando leis trabalhistas. Todavia, nem toda contratação de PJ é uma “pejotização”.
O mais importante é que que na relação entre contratante e contratado não estejam presentes os elementos que caracterizam o vínculo de emprego.
Algumas decisões relacionadas ao assunto:
EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. PESSOA JURÍDICA. PEJOTIZAÇÃO. O manto da pessoa jurídica é afastado quando constatados os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, prevalecendo, no direito do trabalho, o princípio da primazia da realidade sob a forma (art. 9º da CLT).TRT da 3.ª Região; Processo: 0002060-63.2013.5.03.0136 RO; Data de Publicação: 06/12/2016; Disponibilização: 05/12/2016, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Pág. 395; Órgão Julgador: 8ª Turma; Relator: Ana Maria Amorim Rebouças; Revisor: Convocada Ana Maria Espi Cavalcanti) 
EMENTA. FENÔMENO DENOMINADO "PEJOTIZAÇÃO". TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM. O fenômeno denominado "pejotização" constitui modalidade de precarização das relações de trabalho por intermédio da qual o empregado é compelido ou mesmo estimulado a formar pessoa jurídica, não raras vezes mediante a constituição de sociedade com familiares, e presta os serviços contratados, mas com inteira dependência, inclusive econômica, e controle atribuídos ao tomador. Tal prática vem sendo declarada ilegal pela Justiça do Trabalho, quando comprovado o intuito de fraudar a aplicação da lei trabalhista, em clara afronta ao disposto no artigo 9º da CLT, diante da inteira e completa subordinação com o suposto contratante, situação incompatível com o próprio conceito de empresa e em clara afronta aos princípios protetivos clássicos do Direito do Trabalho. (...) Agravo de instrumento a que se nega provimento. (...)." (AIRR 55300-23.2008.5.22.0003, Relator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 17/11/2017).
ACÓRDÃO. TRT 17ª Região - 0001337-90.2017.5.17.0014 (RO). RECORRENTE: ALEXANDER DA SILVA. RECORRIDO: COMERCIAL LENA LTDA - ME, MARCIO ADRIANO DA COSTA SANTOS, IRENE DA COSTA SANTOS, UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO. RELATORA: DESEMBARGADORA CLAUDIA CARDOSO DE SOUZA.
EMENTA. VÍNCULO DE EMPREGO. NÃO COMPROVADO. PEJOTIZAÇÃO. NÃO CARACTERIZADA. Ausente a comprovação nos autos de que o profissional tenha sido coagido a constituir a pessoa jurídica com o escopo de atuação no mercado e permanência no emprego, reputa-se não configurado o fenômeno da "pejotização", mormente quando não demonstrados os elementos cumulativos para a caracterização do vínculo de emprego, a saber: trabalho prestado por pessoa física com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica (arts. 2º e 3º da CLT).
Destarte, caso a empresa queira agir de forma arrojada poderá contratar MEI para atuar como promotor de vendas independente, podendo estes, inclusive, realizar vendas digitando-as em equipamento fornecido pela empresa. Como essa não é uma forma de atuação ainda muito comum, é possível que algum desses trabalhadores venha a fazer reclamações trabalhistas no futuro. Argumentos de defesa termos muitos, mas não se pode garantir que nenhum juiz verá nessa forma de contratação o viés empregatício.
Do contrário, se a empresa prefere um comportamento conservador, livre de qualquer possibilidade de questionamento judicial, ainda que ela possa ter razão, essa forma de contratação ainda não é recomendável.

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